Era madrugada quando ela voltava para casa
Uma esquina a separava do abrigo de seu lar
No silencio da noite o mal estava a acompanhar
Alguns “demônios” transvestidos de humanos
Eles que estavam juntos na mesma festa
Os tipos de bestas que não aceitam rejeição
Verdadeiros íncubos, sem marca na testa
Que chance teria uma garota indefessa
Diante da crueldade de gente que não presta
Morte violenta eminente bem a sua frente
O sol quente da manhã de um típico mês de fevereiro
Tentava em vão aquecer aquela pele gelada
De um corpo encontrado nu na caçamba de entulho
Os vizinhos não ouviram nenhum tipo de barulho
Sonhos enterrados de uma caloura de medicina
Marcas de mãos cravada no pescoço da menina
Os olhos estavam abertos e espelhavam medo
Pessoas aglomeravam-se atrás da fita de isolamento
Uma multidão de anônimos sem discernimento
A perícia fazia seu trabalho diante do acontecimento
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Deixou pais, irmãos e amigos em outro estado
Veio seguir seu sonho, queria ser médica
Passou de primeira em quatro vestibulares
Por querer lugar pacato escolheu esta cidade
Criada na fazenda quis um município pequeno
Ingenuidade achar que aqui não tinha maldade
Ela deveria ter o direito de andar só e sem medo
A menina vinda de longe encontrou a morte
Talvez falta de sorte da garota que veio do Norte
Na verdade, mais uma vítima por recusar o assédio
Começara a primeira semana de aula na faculdade
Festas regadas a álcool e outras drogas toda noite
A moça do campo só foi na balada da sexta – feira
Sentiu-se um peixe que trocou o mar por areia
Conversou com alguns colegas da sua turma
Muitos se quer tinham frequentado alguma aula
Apelidaram ironicamente o espaço acadêmico de jaula
Naquele ambiente foi abordada por um tanto de veteranos
Que não a viam como mulher, mas como presa indefesa
Aquele mundo era tão diferente que a deixou surpresa
Ela disse não para vários homens naquela noite
Sua beleza despertou desejos obscuros em muitos
Que estavam ali com uma só jogada marcada
Sair com qualquer uma que aceitasse sua cantada
Ela sentiu -se então como um pedaço de carne
A ser devorada por quem chegasse primeiro
Observou com repúdio aqueles olhares famintos
De alguns homens que achavam que podiam
Ter qualquer mulher para satisfazer suas vontades
Ela teria fugido dali se seguisse seus instintos
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O laudo da perícia saiu em duas semanas
Morte por asfixia causada por estrangulamento
O médico legista não deixou nenhuma dúvida
A jovem estudante antes de ser assassinada
Durante seus últimos instantes de vida foi estuprada
No corpo da estudante três sêmens encontrados
No cadáver ainda se descobriu outros ferimentos
Para o clínico nenhuma prova foi tão contundente
Como a que foi encontrada dentro da boca da garota
Um indicador esquerdo preso em meios aos dentes
Com o laudo em mãos o delegado traçou a investigação
Muitos foram chamados para depor sobre os fatos
Alguns traziam seus inconvenientes advogados caros
Prender aqueles monstros era questão de honra
Dar para a sociedade e familiares uma explicação
Os três indivíduos quando foram presos ficaram surpresos
O mais apavorado era o idiota com o dedo arrancado
Todos estudantes cursando o último ano de medicina
Os guardas narraram a chegada na prisão dos três detentos:
“Choraram em vão ao serem assediados por alguns elementos”.
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Esse poema tem a ousadia de alertar sobre o estupro, um mal enraizado na nossa sociedade em todos os tecidos sociais. Estupros, assédios, tipos de violência tão presente na vida das mulheres do nosso país.
A garota do Norte, é um poema que narra uma história fictícia, propositalmente não dei a ela nenhuma característica física, nem nome, o objetivo é que ela represente toda mulher que já sofreu este tipo de crueldade.
Pedro Trajano de Araujo
10 de abril de 2021
Penápolis SP