Acordei de madrugada com os gritos na casa do lado. Levei um baita susto quando o cara bateu a porta e a mina gritou \"Filho da puta!\"
Não ando bem. A depressão anda esmagando tudo aqui dentro e a rinite não tem perdoado.
De repente, silêncio.
Eles ficaram mudos e eu espremi os olhos pra dormir outra vez.
Não foi tão simples.
O silêncio é a parte que incomoda. É a parte que deixa a gente apreensivo esperando um grito que não chega, uma palavra que não vem.
Ele ligou o carro e saiu derrapando.
Ela gritou meia dúzia de palavrões e bateu a porta com tudo outra vez.
Senti pena dela.
Aquele vazio da vida que acaba, da história que se interrompe. Aquele entrar em casa depois do fim, no primeiro instante depois.
Quis me levantar e ir até lá.
Não fui.
Rinite é uma merda e a escuridão também merece respeito.
Fiquei espremido na cama esperando ela chorar, gritar, quebrar um copo contra a parede.
Imaginava as lágrimas dela desmanchando o rímel barato e caindo pretas no tapete da sala.
Devia estar sentada num canto qualquer, fumando um cigarro barato e bebendo whisky em copo americano. Pensei em me levantar e colocar Jards Macalé na vitrola pra ela ouvir. O cara sempre tem a música certa quando o coração da gente despedaça e sangra.
Mas não.
A dor também merece respeito.
O que será que ele fez, o cara? Deixou a dona sozinha a essa hora da madrugada e saiu no Chevette dele, cantando pneu, como se quisesse dar com a cara num poste!
Coitada dela. A dona.
Devia estar soluçando de tristeza.
Fiquei sentado embaixo da janela do meu quarto. Nenhum barulho.
O silêncio depois que o amor vai embora é ensurdecedor.
Alguém bateu na porta dela.
Chegou sem carro nem nada, só bateu na porta.
Ela murmurou alguma coisa com a voz dengosa e deixou entrar.
Cinco minutos depois dava pra ouvir os gemidos e a trepação toda.
Sorri.
Pensei no coitado que saiu derrapando o carro e rezei baixinho pra ele não capotar numa curva qualquer.
Virei pro canto e gargalhei alto.
Bati uma punheta enquanto ele chamava a dona de putinha gostosa.
Gozei ouvindo ela gritar \"mete mais, mete mais!\"
Quem morre é sempre o defunto.
A solidão?
A solidão não merece respeito algum!
Joecia Reis