Alexandre Silva

SAUDADE MODERNA

 

SAUDADE MODERNA

 

Nada mais é como antes: nem a saudade...

Antigamente a gente tinha o direito de ter saudade de verdade,

só que tantas coisas mudaram, e a tecnologia, então...

nada mais é como antes: nem a saudade...

 

[Não vejo mais árvores chorando de alegrias,

apenas cascas vazias e folhas secas caídas ao chão...]

 

Ter uma boa amizade: algo que nem sei se ainda existe de verdade;

Ter uma paixão: que durasse apenas aquele momento e depois que ficasse apenas nas lembranças de tempos que deveriam permanecer no passado;

Ter um amor: sincero e capaz de ser duradouro ainda que tudo, e todos, se levantem contra ele, mas, mesmo assim, por ter sido vivenciado, ser, então, lembrado;

 

[Não vejo mais pássaros cantando nos galhos verdosos

e cheios de ramos das arvores vizinhas...]

 

Saudades:

saudade de uma boa amizade;

saudade de uma boa paixão;

saudade de um intenso amor sincero, daqueles que revigora o coração...

 

A modernidade ressignificou a saudade, a amizade(...), a paixão(...), o amor(...):

nada mais é como antes, nada do que outrora o foi será de novo sequer parecido com o meu passado um dia vivido...

 

nem ao menos o próximo, imagina o mais distante:

nem com o tudo que já vivi;

nem mesmo o direito de sentir saudade;

pois, a modernidade tirou-nos o prazer de dizer:

“faz tempo que não te vejo...”

 

 

[Não vejo mais leitores debaixo das árvores das praças públicas

correndo o risco de pássaros “se aliviarem” em suas cabeças...]

 

A saudade precisa existir ativa: para que venhamos a amar continuadamente;

mais intensamente;

mais intimamente;

vivenciar o amor real...

 

[Não ouço mais o cantar dos pássaros... das águas... das vidas... pessoas não cantam mais o amor real: idealização que parte da mente de quem sempre sonhou para si uma utopia concretizada em sua própria cabeça...]

 

A saudade precisa estar presente: para que venhamos a tentar sempre supri-la de um jeito satisfatório com um repertório de possibilidades infinitamente mais palpável;

 

[Não vejo mais pedras serem arremessadas nos lagos... pão, doce pão que adoça a minha vida de desencantos mil... nem mesmo ao doce do pão foi dada a autorização de continuar existindo satisfatoriamente, hoje até ele é engano...]

 

A saudade precisa ser constante: para que entendamos o tamanho da importância do outro em nossa vida: vidas sublinhadas por vidas sem linhas... arremessadas ao relento acabam se tornando “vidas de esperança” do tipo: “quem espera sempre alcança”, até hoje tantas esperam... na esperança superam-se em demasia ao tentarem enxergar a vida pelo Olho de Agamotto...

 

[Não encontro mais aqueles caminhos que cabem apenas os dois pés que, com muito cuidado, andávamos neles...]

 

Mas, a modernidade tornou tudo um pouco mais obsoleto: estamos presos em uma plataforma que não nos deixa sentir saudade real, amizade real, paixão real, amor real, e sublime, e necessário...

 

Saudade moderna:

cruel e espaçosa;

que se tornou moderadora de sentimentos mesmo estando alheia às necessidades mais básicas da vida humana: nos engana, ou, nos permitimos ao engano!

Antes havia honra, hoje? Apenas tecnologias...

 

Saudade moderna:

teimosa e insistente;

que segue massacrando lembranças e memórias não as deixando serem lembradas em tempo hábil à vida de superações cotidianas, hoje apenas redes virtuais... redes sociais:

 

que não conseguem cumprir o seu papel: socializar, primordialmente, mas que, apenas, esvaziam toda a vida de si mesma até fazê-la definhar em palavras digitadas promotoras de emoções e sentimentos fabricados e descartáveis... e mutáveis como quem simplesmente resolve trocar de roupa ou irresponsavelmente apenas ficar nu: representação fútil de uma suposta utilidade da vida que, quando mal dirigida, é conduzida à perdição de si mesma.

 

Nada mais é como antes: nem a saudade...

antigamente a gente brincava, mas, hoje em dia brincam da gente como se fôssemos meras peças promotoras de lucros em todos os nichos que venham a existir:

 

tenho

saudade

de

sentir

saudade

como

antes

nos

era

permitido

 

Tenho vontade de vivenciar tudo de novo para ver se consigo lembrar das tantas coisas que me fizeram esquecer, colocando uma saudade fictícia no lugar da que era tão genuína;

 

— Nada mais é como antes —

 

Saudade fabricada: substituíram uma vida passada para mascarar uma realidade cruel na qual estamos sendo inseridos aos poucos, e sem poder de escolhas;

 

— Nada mais é como antes —

 

Não temos mais o controle das nossas vidas: ações, desejos, vontades...

perdemos o direito à privacidade, até o direito de sentir saudade inventaram de nos tomar;

 

— Nada mais é como antes —

 

Viva à modernidade:

e a saudade?

Modernizou-se!