O sol já cruzava o oceano céu, já se preparava para submergir no horizonte oposto, quando seus olhos me fitaram, fazendo novamente manhã em pleno ocaso, fazendo-me orvalhar em minhas folhagens, trazendo o frescor da madrugada de toda nossa história.
Não compreendia e não compreendo sua ida, perdendo-se da minha realidade, ferindo meu tempo com o hiato da sua presença, desperdiçando minha vida em saudade e ressentida esperança, sequestrando-me os momentos de todo meu presente no cativeiro da construção de sonhos para poder me apegar, na ânsia de nutrir minha abstinência, de respirar a ilusão que me sustentava.
Confesso que lhe malqueri, ainda que hipocritamente, mas foi devaneio da mágoa do abandono, senti-me assim como se arrancado em raiz e deixado agonizando em prantos. Foi um desafio conseguir afirmar, mesmo que falsamente, que havia me restabelecido da sua ausência, com o lema motivador de apenas hoje, apenas mais um dia em desamor, e no íntimo alimentando um amanhã contigo...
Mas nos dias que sucederam sua ida, relutei em admitir que não estava inteiro. Mesmo em cacos, dilacerado pela decepção, queria poder dizer que ainda tinha chão, sendo que estava em queda despenhado e sofrido.
Busquei auxilio até no terreiro, entregando- me com mais afinco à minha fé. Roguei aos caboclos guerreiros lhe encontrar o paradeiro para também parar, supliquei aos orixás, aos santos, recorri aos patuás, aos pretos velhos um acalanto, um alívio, um encontro com a paz que não mais reconhecia, ajoelhei diante do gongá. Fiz prece sublime a Oxalá, fiz descarrego, fiz oferenda a Yemanjá! No desespero pedi proteção aos guardiões exus, nos caminhos de encruzilhada, encorajando-me a prosseguir nessa cruzada de contigo de repente o caminho novamente cruzar. Pedi por mim, e também por ti.
Remediei a ferida que insistiu aberta, mas com dor mais amena diante do bálsamo da resignação, após acolhimento da caridade santa, que fez retirar do meu coração qualquer sequela de maldade, mas nunca me afastou a dor devastadora da saudade que é uma tormenta, que me atormenta em vigília e em sonho...
Pensei que me restaria na vida viver mutilado, pois assim desinteiro seria minha sina, um espírito fracionado e subtraído errando esquálido pelos caminhos desse mundo sem compreensão.
Já estava decantado em aceitação de uma espera sem solução, aguardando o fim da expiação, confiando convicto na eternidade que nunca se abalou na minha consciência, ainda que a aflição me açoitasse nas trilhas pedregosas da carência e fome de amor, nessa existênca apenas sobrevivida.
Mas a vida nos surpreende! Seguia a minha estrada com meu olhar turvo, preparado e curtido pela dureza da vida de privação de mim mesmo, ainda no exercício do apenas hoje, apenas mais um dia em desamor, em que todas as noites, transcorrida a madrugada, o sol se punha absurdo ao oeste, já não tinha dias...
Mas a vida nos surpreende! No fim de uma tarde sem manhã, com o espírito preparado para enfrentar as revoltosass trevas, um raiar de luz restabeleceu todos os meus dias, todas as minhas manhãs!
Fez-se alvorada que há muito não vivenciava, uma sensação de libertação de todas as dores que jamais senti... Uma felicidade de uma proporção que estancou toda a angústia que nunca mais senti... Um milagre que fez da minha jornada triste uma ficção de um não existir...
O sol já cruzava o oceano céu, já se preparava para submergir no horizonte oposto, quando seus olhos me fitaram, fazendo novamente manhã em pleno ocaso, fazendo-me orvalhar em minhas folhagens, trazendo o frescor da madrugada de toda nossa história.