TÊNIS BRANCOS
Metódica, organizada, todo final de tarde malhava na pracinha. Descansando, braços abertos, pernas estiradas, olhou as pontas surradas dos tênis brancos. Com surpresa, notou que o conhecido par não era simetricamente idêntico. Havia pequena diferença na posição dos detalhes amarelos.
Perfeccionista, como havia comprado tênis díspares! Calçava-os e descalçava todos as tardes, e não percebera! Estava cega? Era impossível!
Lembrou-se do estranho sonho da noite passada. Olhava-se no espelho, a imagem era sua figura real, porém aos dez anos, e duplicada: duas lindas meninas gêmeas, vestidas de branco, que só se distinguiam pelo penteado. Uma usava os louros cachos soltos, a outra, presos. Enquanto examinava o fato estranho, surgiu dentro do espelho, outra menina igual, de tranças.
Porque se lembrava desse sonho perturbador, o que tinha ver com seus tênis mal comprados?
Voltou a olhar os pés, e já eram três, dois direitos e um esquerdo. Com pequenas diferenças entre eles.
Sonhava acordada, sobre o mesmo tema? Sofria alucinações? Enlouquecera? Perplexa, apertou três panturrilhas, flexionou três joelhos, apalpou três calcanhares. Absurdamente, pareciam reais, pareciam seus.
Levantou-se, o andar era leve, fácil, como sempre. Pronto, passou o susto! Estou normal!? Ainda não...
Olhou para baixo, os dois pés direitos ainda estavam lá, moviam-se sincronizados, alternando com o esquerdo, quase sem problemas. No terreno plano, o terceiro pé caminhava tão bem quanto os outros, mas tropeçava no meio fio, claudicava em qualquer irregularidade do chão.
Rumou para casa, depressa o quanto pode, medo de que alguém conhecido testemunhasse aquele horror.
Chegando, aflita, atrapalhou-se com a bolsa, as chaves, os óculos de sol, com os degraus nos quais o novo pé insistia em tropeçar.
Ofegante, deixou-se cair, exausta, no sofá. Demorou a recuperar as forças e normalizar a respiração. Finalmente levantou-se e, surpresa! A terceira perna tinha sumido, completamente. Tinha as duas lindas pernas de sempre, dois pés calçados em puro branco. Alívio!!! Em termos...
Afinal, foi o quê? Sua mente, crítica e minuciosa, montara uma assustadora cena de ficção. Não havia como fugir, seu cérebro exato delirara. Tão segura de si, tão concreta, surtara. Seus sentidos não mais eram confiáveis.
Decidida, resolveu. Amanhã, bem cedo, procuraria ajuda. Ninguém, além do neurologista e do psiquiatra, saberia desse transe ridículo.
Tiraria longas férias, trabalharia menos, sairia mais. Não admitiria outras miragens, visões, escapadas da realidade. Foi dormir decidida a ter, de novo e para sempre, os dois pés, só dois, solidamente plantados no chão.
Manhãzinha, no degrau da frente, debaixo do jornal, encontrou um pé direito de tênis, surrado, branco e amarelo.