Edla Marinho

Não sou poeta, sou poesia

 

 

Por que me chamas poeta?  

Sou apenas emoção nas liras de amor

Nos labirintos da saudade, no beijo esperado 

do primeiro namorado. 

Sou a paixão incontida do primeiro encontro 

às escondidas... 

No arrepiar da pele ao toque… 

No tremor das mãos. 

No olhar perdido no horizonte 

No arco íris do tempo

Na brisa que a face toca

No marulhar das ondas 

Ou na impetuosa tempestade. 

 

Na planta que brota e desabrocha

Vestida de puro linho como disse  \"Salomão\" 

Da dor que trespassa o coração

Da flecha que o alvo acerta ou não 

Cupido malvado, mudando o destino 

Da menina e do menino. 

De tudo isto minha alma se veste

E reveste meu sonho... minha fantasia... 

 

Por que me chamas poeta 

Se pouco na vida  eu li? 

Disso, tão pouco aprendi 

Falta de jeito, objeta! 

 

Livros que eu não pude ter

Sonhos de vida abortados

Ler? Tempo desperdiçado 

Tanta coisa a se fazer... 

Coisa de desocupado. 

 

Chegou um tempo, afinal 

Que, por bem ou por mal, 

A poesia me agita 

É a canção que da alma grita

Transpondo muros da ignorância... 

Do preconceito e intolerância. 

 

O tempo, senhor das horas, dos dias e anos

Na trajetória de minha história 

Lançou - me no mundo de versos... 

Dos inversos sentimentos que me impelem 

A fazer versos, mesmo controversos. 

 

Soneto, me encantava 

Pequeno som, perfeito 

Abandonado no canto do tempo 

Nunca pensei ser capaz... 

Um vácuo, uma lacuna

Longo tempo adormecido 

Onde ficou o desejo por ela (a poesia) 

Num despertar... 

Numa aurora que me acorda cá 

( sem que tivesse dormido)

Beijou me com feroz desejo 

E eu me entreguei 

À vontade de ser poeta 

De entregar em versos meu sentir

Meus medos e alegrias

Como também a beleza da flor e o vermelho carmesim (cor fogosa de paixões, arrebatando corações)

Ferindo as rimas em mim

Com espinhos sutis. 

 

Falar do azul do céu e do mar 

Do brilho das estrelas em desenho constelar

Do pranto do rio em suas águas a transbordar 

Do remanso, paradeiro tranquilo 

Ou na correnteza levando tudo a eito

Deixando muita dor no peito

No canto suave dos pássaros 

Do amor que rege a vida...

A alma inebria e o corpo aquece, num beijo desfalece.

 

Não tenho, da escrita o dom, não lido bem com as rimas 

Tampouco ando num bom compasso. 

Não sei o que é estilo... 

Não sei o que é ideia ou um sentir exclusivo

Sei apenas que minha alma canta notas de fado 

Entoando melodias de amor e saudade, minha nostalgia e melancolia... 

Minha alma é refém de uma vontade 

Meu intenso desejo é deitar em versos meus sentimentos 

E vivo a cada momento, tentando promover 

O encontro dos dois seres que me habitam :

Um, que é só emoção, rabiscando versos, pura poesia ;

Outro, é a razão que me puxa das nuvens poéticas 

É finca - me os pés no chão. 

 

Por que me chamas poeta? 

Não conheço da poesia quase nada 

Só escuto os gemidos da alma 

Em forma de canção 

E tento transformar em escrita os ais do coração. 

Não sou poeta, nem tenho pretensão 

Sou apenas mais uma viajante da vida

Passageira com bilhete só de ida

Pois que não se pode voltar 

O pêndulo vai e vem, mas não volta ao mesmo lugar... 

A poesia é só uma das estradas em que estou a passar

Não me chames poeta, eu não sou

Apenas, nalguns momentos, poeta estou. 

 

Edla Marinho 

17/12/2020