CARROSSEL
Ema Machado
Ficou ali estática, contemplando o pequeno carrossel... Lá estavam, várias crianças sorriam agarradas aos cavalinhos. Ela sabia, como para ela, aquilo era o próprio céu... O tempo escorria e o carrossel girava... Girava...
Uma pequenina de olhos negros arregalados, atravessava o grande parque no colo de sua mãe. Seu olhar bebia a paisagem, queria saciar sua sede de alegria. No lago de águas verdes, inúmeros peixes coloridos se amontoavam, como pedissem para conversar com ela. A medida em que o contornava, seguiam-na pelo trajeto. Ela se imaginava no meio deles a nadar... Nadando, nadando, sem se preocupar com pés...
Tudo era tão difícil, médicos, gessos pesados - Agora sabia, só desejava a liberdade daqueles peixinhos na tranquilidade das águas verdes...
Nascera com pés retorcidos, muitos diziam que nunca andaria, entretanto, a fé, aliada persistência da mãe, levaram-na além do esperado. Agora lá estava ela; ali. Naquele parque o tempo parava... O carrossel girava... Girava...
De repente olha o relógio, passava do meio-dia. Preocupada, retoma o presente... O carrossel para e, um bando de crianças descem.
Algumas pessoas caminham apressadas - ela segue a corrente. Por dentro, um duelo: o passado vencendo o presente... Para, olha à volta - A avista, eis a roda gigante... Várias crianças, assistem inquietas a outras naquele girar, esperam a vez de brincar.
Não brincara em uma roda gigante até os doze anos de idade. Tinha medo, pensava que pudesse despencar daquelas cadeirinhas balançantes, no entanto, adorou quando do alto dela, abriu os braços e sentiu como fosse voar... O frio na barriga, a fez gritar sem perceber...
Anda mais um pouco a observar. Árvores, jardins, estavam bem cuidados, mas já não havia a mesma beleza do passado. Porém, o carrossel ainda girava... Girava...
A pequenina olhava os cisnes... Como, eram lindos! Pensava... Aqueles longos pescoços e o porte elegante eram dignos de belas fotografias. Quanto a ela... Quanta insignificância! Nem mesmo foi fotografada naquele seu momento de infância. Pensava... O gesso nas pernas, a pobreza... Não se importava mais com fotografias. No parque seu mundo mudava - para ela, as árvores se vestiam de verde, os pássaros faziam festa, os canteiros floriam e ... O carrossel, era o céu que girava...
Novamente olha o relógio: meio-dia e quarenta minutos... – Droga! O tempo escorria entre os pés que não a obedeciam... O desejo de permanecer ali é forte, mas, a necessidade de ir também. O que, pesa mais? Passado ou presente? E lá se vai ela, se achegando novamente ao lado do carrossel... Enquanto as vozes se perdiam entre suas lembranças...
Em um dia frio e nublado, a pequenina no colo da mãe, jazia com os olhos vidrados... O carrossel se encontrava parado, mas, o condutor perguntara à mãe: - Quer, coloca-la para andar aqui um pouquinho? - Como percebe, não tem muita criança aqui hoje. Ela pode brincar se quiser. A mãe segura a menina, como tivesse medo de que algo pudesse machuca-la, mas, ante os olhinhos inquisidores decide, coloca-a em um cavalinho vermelho. Foi mágico! O condutor, ao acionar a chave, fez com que o parque ganhasse vida em uma infinidade cores... E o mundo dela ganhou brilho, inúmeras luzes em estrelas de alegria...
Como um bando de pássaros, algumas crianças chegaram ao carrossel e foram ocupando os espaços. A mãe agradece ao condutor, pega-a no colo, onde adormeceu sorrindo. O céu ainda girava... Girava...
- Meu deus, treze horas! Preciso ir...
Contra vontade, atravessa o parque a passos largos. O passado a segue, porém, as pernas agora obedecem...
Na rua a barulheira de carros. Ela atravessa no sinal, andando por mais dois quarteirões. Chega ao destino, lá, o presente lhe sorri... Entra no prédio da faculdade apressadamente, sabia estar atrasada. Cumprimenta o professor e se assenta. A aula se apossa de todo seu pensamento...
As horas passam rapidamente, más, na volta não há mais tempo de viajar no parque. Atravessa- o às pressas.
O sol aos poucos se esconde, sombras anunciam a chegada da noite. A lua desponta, ânsia de ainda poder ver o amado que se despede no horizonte.
No ônibus cheio, o calor e cansaço dominam - no balançar da viagem adormece... O carrossel volta a girar. Gira... Gira...
A pequenina passara por maus momentos naquele dia. A mãe aflita, tentando acalma-la, andava devagar pelo parque. Passavam próximo à roda gigante, quando alguém disse:
- Pobre, criança! Não tem pés. A mãe a segurou apertado e seguiu rumo ao lago, entregou-lhe um pedaço de pão e disse:
- Jogue aos peixinhos, filhinha. Eles querem comer! Jogou o primeiro pedacinho, os peixinhos se amontoaram na esperança de conseguir mais comida. A pequenina sorriu, esquecia as dores... A mãe então segue, andando até ao carrossel...
- Olá, Senhora! Deseja colocar a menina para brincar um pouquinho? E a mãe a coloca no cavalinho vermelho... O carrossel girava... Girava o céu...
- Moça, será que não é hora de descer?
Desperta assustada, ainda bem que o motorista era sempre o mesmo e sabia onde ela descia.
Chega em casa com um enorme sorriso. Esse era o fim de mais um dia pesado. Descansar é preciso. Iria dormir, porém, o céu agora estava cheio de estrelas... Deixa-se contemplar...