Carlos Lucena

LETARGIA URBANA

 

A tarde cai
Sobre a praça de bancos solitários.
Um bêbado passa
Andando sobre pernas bambas.
Um cachorro magro e faminto
Bufa sob um árvore inerte
Um menino come um sanduíche pelo nariz
Enquanto uma vaca se delícia numa lixeira
E um cavalo satisfeito
Evacua seus dejetos sobre uma calçada.
Ao mesmo tempo em que sopra o vento do norte
Que se mistura ao odor do esterco
De perfume estranho diluído no ar.
Um gato dá voltas
Sobre a avenida de uma parede
Enquanto o sol cai no poente
Anunciando as estrelas.
Um besouro barulhento
De motor estridente
Perturba meus ouvidos
Enquanto uma coruja pia
Saindo da coluna
De uma cruz em riste.
Meus olhos contemplam a paisagem
Da cidade entorpecida
Pela solidão letárgica do ocaso.
Vejo apenas
A vaca
O cavalo
O menino
O gato
A coruja
E eu, sob o viaduto.

Carlos Lucena
Em tempo de isolamento social
Baixio-CE, 2020