para compôr o ano de 2020
foram longos meses de monotonia
por conta de um vírus que quer frear nossos passos
que quer banir nossos abraços
e não tem previsão de partida
jamais imaginaria
que em mais um ano na contagem dos tempos
eu passaria manhãs e tardes no quarto
com os olhos enevoados
ouvindo acordes de guitarra no fone
vizinhos brigando
motores de motos vociferando
e o café sendo coado
ao invés do sino no recreio
murmúrios nos corredores
e o som de flashes dos amigos
que tiravam fotos em frente ao espelho
é difícil para uma população
calorosa
ter que se cumprimentar com o cotovelo
é difícil lidar com a saudade dos amigos
e rejeitar a vontade de fazer trilhas
com eles até o alto da serra
apesar de termos relações virtualizadas
e num clique com o mouse conhecemos
o México e até a Inglaterra
os cemitérios tem menos espaço
assim como os leitos em hospitais
prosseguimos na espera
por hora angustiados
por hora há respingos de esperança
na janela
que possamos ter autoconhecimento
e que, embora ansiosos por uma vacina que nos libere do castigo,
consigamos a cura interna
que exponhamos nossas artes em
cartões, partituras e telas
que enxerguemos que é fase
e não eternidade
tem alguém que quer falar conosco
além do teclado
que sente tédio e passa por dias complicados
mas é grato por ainda viver
e sabe que ainda tem muito o que conhecer
muito pelo que agradecer
e muitos para rever
em um dado momento
não seremos mais controlados
por essa pandemia
poderemos sair
manter nossos momentos
em polaroides
em nossa memória
para além do armazenamento
de computadores
datas muito especiais
rechearão um álbum
novas emoções vão ser sentidas
concertos, templos, praças
serão ocupados
não havendo apenas
uma folha de jornal
anunciando o número
de mortes diárias
por conta do vírus
esvoaçando pelas avenidas